castitas lilium

Um avô macabro que em almoços familiares pegue netos pelos braços, com hálito de iodo, com perguntas (confundidas com maldições), diz aos netos “o diabo foi expulso ou caiu do paraíso?” – os netos perguntam, com seu hálito de Danone “mas ele estava lá?”.

 

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O avô surpreso diz “o diabo caiu do céu fazendo movimentos centrífugos ou perpendiculares?”

Os netos (teimosos) de boca seca, – o diabo caiu de costas ou de frente?

O avô, sagaz, continua “mas a curvatura de seu nariz? Indica que caiu de frente.”

Os netos dizem “mas o diabo é imanente ou transcendente?”

O avô pensa num diabo-pessoal, uma criatura pra se carregar nos bolsos, pra levar dentro da cigarreira, – os netos prosseguem, com seu hálito de panquecas – Vovô, o diabo não existe!

 O velho (quase-desistindo/impregnando o ambiente de iodo), diz num murmúrio solene, (já com um riso de vitória nos lábios):

“O diabo pode ser uma história inventada pelo primeiro avô que queria almoçar em paz  – talvez sua idealização se deu no calor, talvez uma miragem de um dragão que assolou um faminto que antes de morrer jurou tê-lo visto. O diabo é uma criação formidável à medida que sua existência, que também é coexistência conosco, mas como inimigo declarado, nos exime parcialmente de nossos erros: o diabo não guiou a mão dos homicidas, ou prevaricou, ou fingiu entrar no banheiro pra tomar banho e só ligou o chuveiro  sem e molhar (pra sair de lá com uma declaração de se banhou) – o diabo, quando é banido da existência, pode exercitar sua atividade favorita (a saber)> sua incansável potência de murmurar em nossos ouvidos numa freqüência sônica inaudível para percepção destreinada. O diabo é um bombardeio de mensagens subliminares  – que importa saber se caiu, derrapou ou despencou do paraíso com um safanão de um arcanjo. Importa saber que entre seu apogeu e queda, antes que o convés do céu o expelisse como um míssil, ele já tramara um jeito de se disfarçar entre nós – ele se enrosca num terreno entre sua existência e inexistência, entre ter estado no paraíso e nunca ter caído dele, ou mesmo a pergunta que fazemos, envergonhados, sobre sua presença no último céu. Uma mosca que pousou no nariz de uma modelo renascentista; um borrão que arranca a fluidez de uma criação perfeita. Sua presença é uma cereja no sundae> um dia ele será arrancado de sua posição tentadora e será devorado pela inocência. Nesse dia a criação será melancólica. O zumbido de seus murmúrios cessará. Poderemos abraçar árvores e o silêncio”.

 Os netos riem do tom solene, com medo de que uma parte da cauda do capeta passe por seus buços imberbes, deixando um gostinho de enxofre ao passarem as línguas sobre os lábios superiores (que são também um continuum dos inferiores).

1 Comentário

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1 responses to “castitas lilium

  1. eriqa

    T,

    ontem, relendo um sábio, eu li uma coisa. Não era essa coisa que aê vai, mas, como boa gorda que sou, digeri assim:
    quanto mais gorda a pessoa, maior o diabo dentro dela. e vice-versa.

    num é um insight digno de nota?!

    sodade,

    e.

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